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CRISE ECONÔMICA, AUSTERIDADE E O DESMONTE DO PAÍS

Adur Online

Análises em Debate: 25/03/2020

 

Por Lúcia Valadares Sartório [i]

 

Não há divergência quanto ao reconhecimento de que vivemos uma crise de grandes proporções e manifesta-se na economia, na política, na cultura e na disseminação de valores perniciosos e autodestrutivos, de modo mais agudo neste momento, com a eclosão da pandemia provocada pelo coronavírus.

É preciso assinalar, entretanto, que estes fatos se constituem na manifestação de problemas mais profundos na base das relações sociais, o que nos leva a buscar maior precisão em nossas reflexões, distinguir crise e austeridade e entender o próprio projeto de país em curso.

A humanidade já vivenciou uma crise aguda com a quebra da bolsa de Nova York em 1929, a crise do Petróleo em 1973, e desde 2008, vem patinando em baixos crescimentos seguidos da expansão do grande capital através da fusão de empresas e consolidação de holdings, aquisição de empresas de médio e pequeno porte. Esta crise também traz como resultado a precarização do trabalho, acirramento das formas de expropriação de mais-valia relativa e absoluta, que rememoram a virulência burguesa nos idos da acumulação primitiva de capital no período da expansão marítima e colonização dos povos organizados numa economia natural.

Pode-se afirmar, desse modo, que a crise instalada hoje parte de um eixo central e está intimamente vinculada à própria lógica de reprodução do sistema capitalista, assentada na permanente concentração de renda por meio da expropriação de riqueza de um lado e na outra ponta, a super-exploração da força de trabalho, a ampliação da exclusão social e miserabilidade.

A austeridade fiscal, por sua vez, incorporada como política de estado desde 2016, é uma opção política para lidar com a crise, não caminho de mão única. A austeridade aparece como alternativa para diversos segmentos das extrações burguesas, megaempresários, investidores, multinacionais, setores do agronegócios entre outros que, diante da estagnação econômica, organizam-se em torno do governo de caráter autoritário e ultraneoliberal, assumem como prática o alvoroço sobre o Estado para dele retirar o máximo benefício, com incentivo ao corte dos gastos púbicos. Assim, o Governo Bolsonaro, conta com uma base de apoio de algumas extrações burguesas e boa parte das forças armadas à aplicação de uma política de austeridade ultraneoliberal sobre a sociedade brasileira, para desmontar por dentro as políticas públicas sociais.

Na contracorrente desse pensamento, o economista norte-americano Randall Wray critica o corte de gastos públicos, prescritos em medidas como a EC 95/2016, a reforma trabalhista e a reforma da Previdência, pois a “Austeridade desacelera o crescimento, mas não necessariamente reduz seu déficit orçamentário. Há evidência crescente de que, em geral, não reduz. O jeito de reduzir seu déficit orçamentário, é crescer mais rápido”[ii] (2019).

Na mesma direção, Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, evidencia os impactos das crises econômicas sobre a sociedade, como o desemprego e o crescimento de doenças psicológicas, por exemplo, e afirma categoricamente que o modo como o Estado reage às crises pode agravar ou remediar o problema. Para Rossi, o enxugamento do Estado, reforça sintomas, promove a redução de investimentos em saneamento, redução de investimentos no sistema de saúde, na prevenção de doenças e traz consequências sociais muito graves.

É preciso destacar que, o liberalismo tem como premissa a análise do fenômeno em sua aparência e, por isso, restrita à esfera da circulação. Ao Estado caberia manter as políticas públicas e deixar o mercado livre. O neoliberalismo busca reduzir ao máximo o papel do Estado para se apropriar da execução de serviços junto à sociedade, obter apropriação de fundos públicos e acirrar a sanha da competitividade. Os ultraneoliberais vêm defendendo políticas de austeridade, hoje aplicadas em alguns países como salvaguarda da crise. No Brasil, esta medida foi oficializada com a aprovação da EC 95/2016, conhecida como Emenda Constitucional do teto dos gastos, prevista para ser aplicada no decorrer de 20 anos.

Rossi atenta para o fato de que essa medida reduz a capacidade de o Estado atender os problemas de saúde da população, de apresentar medidas para impedir pessoas de adentrarem em situações de extrema pobreza. A visão simplificada da sociedade, por exemplo, leva a comparação equivocada entre o planejamento econômico familiar e o planejamento econômico do Estado, desconsiderando a natureza particular de cada esfera.

O economista rebate os argumentos falaciosos dos ultraneoliberais esclarecendo que as famílias não têm como planejar sua renda já bastante reduzida, o Estado pode: “Quando a família gasta, o dinheiro não volta para ela, todavia, o dinheiro gasto pelo Estado volta para ele, se o Estado gera renda e emprego, gera mais arrecadação e pode imprimir dinheiro”. Num momento de crise há recuo da sociedade, as empresas investem menos, trabalhadores restringem o consumo, por isso, é fundamental que o Estado intervenha para expandir o investimento e alavancar a economia.

Interessante análise de Rossi, Dweck e Arantes relaciona o termo austeridade a um conceito moral, pois por meio de convencimento busca transferir para os indivíduos uma corresponsabilidade na ampliação das reservas dos fundos públicos

Austeridade” não é um termo de origem econômica, a palavra tem origens na filosofia moral e aparece no vocabulário econômico como um neologismo que se apropria da carga moral do termo, especialmente para exaltar o comportamento associado ao rigor, à disciplina, aos sacrifícios, à parcimônia, à prudência, à sobriedade… e reprimir comportamentos dispendiosos, insaciáveis, pródigos, perdulários (…)[iii]

No Brasil, a política de austeridade vem sendo aplicada de modo estreitamente articulado a mecanismos de controle para garantir a expropriação de fundos públicos e o desmonte de estruturas que até esse momento vinham balizando o desenvolvimento, pesquisas em diferentes áreas da ciência, ampliação da inserção social na educação básica e no ensino superior.

Os fundos públicos criados potencialmente na Era Vargas – e desenvolvidos em períodos subsequentes como a CF/88 para assegurar aos indivíduos seguridade social –, passam a ser alvo de cobiça com o despontamento do ultraneoliberalismo, com a intenção clara de se pôr abaixo as políticas públicas sociais, a ciência, a universidade pública, a cultura brasileira, as organizações do trabalho, o que torna necessário fragilizar a democracia e a soberania nacional, para lançar mão sobre o patrimônio nacional.

Por meio da Emenda Constitucional 95/2016, iniciou-se um processo paulatino de corte de verbas reservadas para as políticas públicas, de modo mais contínuo sobre o ensino público e o Sistema Único de Saúde, bem como sobre a ciência, alterando princípios prescritos no Artigo 194, Título VIII da Constituição Federal, obviamente para favorecer aplicações na parceria público-privada e transferência de divisas às grandes corporações.

 A Medida Provisória 914/2019, também merece atenção, pois interfere radicalmente na autonomia universitária, no direito de a comunidade acadêmica eleger representantes nas instâncias administrativas, desde diretores de institutos até a escolha da reitoria, passando a ser determinado pelo presidente da República, para retirar da universidade a sua função social e subordiná-la aos interesses privados de magnatas nacional e estrangeiro.

Ocorre que, nenhum setor da sociedade pode se sobrepor ao Estado requerendo benefícios próprios, ninguém tem o direito de se apropriar dos fundos públicos originados de diferentes fontes de impostos – no Brasil restritos à esfera da circulação e, portanto, extraídos do bolso do contribuinte –, e diretamente com desconto de 27,5 % sobre o salário do trabalhador e proventos dos profissionais liberais. O baixo escalão do funcionalismo público situa-se neste mesmo patamar de contribuição, mas agora se vê ameaçado pela PEC 186/2019, conhecida como PEC Emergencial, com o seguinte dizer:

o texto permanente da Constituição e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispondo sobre medidas permanentes e emergenciais de controle do crescimento das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União[iv]

Apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães, a Emenda Constitucional intervém nos princípios que balizam a Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição cidadã, para ajustá-la a novos objetivos: em vez de reverter para toda a sociedade a riqueza social proveniente da arrecadação dos impostos contidos nos fundos públicos, passa a estabelecer metas para entesourar o Estado[v], favorecendo a transferência de verbas ao setor privado através de saldos da dívida pública, pagamento da dívida externa. Assim, a CF/88 passa a legitimar a transferência dos fundos públicos ao setor financeiro, bem como aos grandes grupos econômicos nacional e estrangeiro.

O ministro da economia, ainda em seu propósito de sugar sangue alheio, resolveu apresentar proposta de corte de salário tomando-o pressuposto para contornar os problemas gerados pelo coronavírus:

A redução temporária da remuneração do funcionalismo ajudaria nas contas públicas num momento em que o governo estuda medidas de socorro às famílias e às empresas. A ideia em análise, que começou a ser discutida na quinta-feira e avançou ao longo desta sexta-feira, é que o corte seja feito em faixas. Para aqueles que ganham até R$ 10 mil, a redução seria de 10%. Para os funcionários que ganham mais de R$ 10 mil, o corte seria de 20%.[vi]

Sob a alegação de se levantar fundo emergencial aos danos causados pelo coronavírus, mais uma vez demonstra enxergar como única alternativa o sacrifício dos trabalhadores inseridos nos quadros do funcionalismo público, que já sofrem desconto maior na folha de pagamento referente ao aumento da alíquota da Previdência.

E no que diz respeito à universidade pública, a proposta de corte de salário de docentes e técnicos aparece como mais uma medida para sua retaliação por dentro do Estado. A determinação em inviabilizar o funcionamento da Universidade Pública não tem limite. O Ofício-Circular nº 8/2020, de 04 de fevereiro de 2020, traz a proibição de concurso, controle sobre a contratação, medidas que atingem em cheio o funcionamento da universidade, praticamente inviabilizam suas atividades de ensino, gestão e o desenvolvimento de pesquisas relevantes no âmbito da saúde, da educação, da inovação.

Já não é possível duvidar: há em curso ações deliberadas para liquidar a universidade pública brasileira, o Sistema Nacional de Ciência consolidado no decorrer dos anos dois mil, seu raio de inserção em atividades de extensão que vem contribuindo no desenvolvimento regional, partícipe num conjunto de medidas que favoreceu a elevação do Índice de Desenvolvimento Humano. A universidade pública é responsável por mais de 95% da produção científica no Brasil[vii] e em relação à América Latina, os pesquisadores brasileiros são responsáveis por 56% das publicações científicas[viii]. Ao contrário das críticas realizadas à universidade, nela se realiza trabalho de alto nível, com a oferta de ensino de qualidade e produção científica de ponta.

A austeridade aparece, desse modo, como projeto de classe em meio à crise global, para assegurar largas parcelas de lucratividade. No Brasil, essas metas apresentam-se a médio e longo prazos com o redesenho de uma nova sociedade, um Estado ainda mais repressor a contar com maior participação de megaempresários em suas decisões e gestão.

As alternativas absurdas apresentadas, entretanto, expõem o esgotamento do modelo econômico iniciado em 2016 e levado às últimas consequências no atual governo: a austeridade que se impõe à sociedade brasileira leva o Brasil ao despenhadeiro do neocolonialismo. A propósito, a qual país interessa impor ao Brasil um novo colonialismo?

Basta! A sociedade brasileira não aceita esta alternativa e exige a retomada do processo civilizatório e para contornar a crise, pôr na mesa a cobrança de 3% de imposto sobre a fortuna de 206 bilionários no Brasil que juntos somam R$1,2 trilhão. Assim, iniciaremos um novo caminho seguindo os preceitos do provérbio popular: cada um dá o que tem[ix]. A interrupção à política de austeridade deve ser imediata!

 


[i] Professora do Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, doutora em Educação e mestre em Filosofia.

[ii] Na contramão do governo, economista defende que austeridade desacelera o crescimento.  Marcela Fernandes, HuffPost Brasil, 26/11/2019. Disponível em:<https://www.huffpostbrasil.com/entry/randall-wray-austeridade-fiscal_br_5ddc5dcfe4b0913e6f71fe00> Data de acesso:  15/03/2020.

[iii] ROSSI, Pedro; DWECK, Esther; ARANTES, Flávio. Austeridade, história de uma fraude. In: Outras Palavras, 24 de setembro de 2018. Disponível em:  <https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/austeridade-historia-de-uma-fraude/>   Data de acesso: 16/03/2020.

[iv] Propostas de Emenda à Constituição nº 186, de 2019. Atividade Legislativa. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139702> Data de acesso: 25/03/2020.

[v] Corte no salário de servidor pode render economia de R$7 Bilhões ao ano. Correio Brasiliense. Economia. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/12/11/internas_economia,813072/corte-nos-salarios-de-servidor-pode-render-economia-de-r-7-bilhoes-ao.shtml> Data de acesso: 25/03/2020.

[vi] Congresso discute reduzir salários de servidores em até 20% na crise. Fernando Molica; Renata Agostini.  CNN, 20/032020. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/03/20/congresso-discute-reduzir-salarios-de-servidores-em-ate-20-na-crise> Data de acesso: 21/03/2020.

[vii] As universidades públicas respondem por mais de 95% da produção científica do Brasil. Governo do Estado da Paraíba. Disponível em: <http://fapesq.rpp.br/noticias/universidades-publicas-respondem-por-mais-de-95-da-producao-cientifica-do-brasil/@@nitf_galleria> Data de acesso: 25/03/2020.

[viii] Pesquisadores no Brasil publicam 56% dos artigos científicos originados na América Latina. In: Indicadores FAPESP de Ciência, Tecnologia e Inovação. Disponível em: <http://www.fapesp.br/indicadores/boletim3.pdf> Data de acesso: 25/03/2020.

[ix] Cada um dá o que tem. Por Charles Alcântara. In: Racismo Ambiental. Disponível em:  <https://racismoambiental.net.br/2020/03/22/cada-um-da-o-que-tem-por-charles-alcantara/> Data de acesso: 25/03/2020.


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